Câmara rejeita cassação do mandato de Carla Zambelli
Um mandato que existe no papel, mas não na República
A decisão da Câmara dos Deputados de manter o mandato de Carla Zambelli — mesmo após sua condenação definitiva pelo Supremo Tribunal Federal e enquanto cumpre pena na Itália — expõe uma contradição institucional que desafia a lógica democrática e o bom senso administrativo. Não se trata de concordar ou discordar de parlamentares ou ministros, mas de observar o fato nu e cru: o Brasil agora convive com uma deputada que, por força de sentença judicial, está impossibilitada de exercer qualquer função do cargo, mas que continua a ostentar o título, as prerrogativas e os vencimentos de uma representante eleita.
A situação é tão inusitada quanto desconfortável. A parlamentar foi condenada a dez anos de prisão por comandar a invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça, em parceria com um hacker, com o objetivo de inserir documentos falsos — inclusive um suposto mandado de prisão contra um ministro do próprio STF. A pena é definitiva. Não há recursos pendentes. A extradição está em curso. E, ainda assim, o plenário da Câmara decidiu que ela deve permanecer deputada.
O impasse nasce de uma divergência interpretativa da Constituição. O STF entendeu que, por estar condenada a regime fechado por mais de 120 dias, Zambelli inevitavelmente ultrapassaria o limite de faltas permitido, o que tornaria a perda do mandato automática — bastaria a Mesa da Câmara declarar o fato consumado. A Câmara, por sua vez, optou por tratar o caso como perda de mandato por condenação criminal, que exige votação em plenário. E, como não houve votos suficientes, o mandato foi preservado.
Carla Zambelli mantém seu mandato mesmo estando presa.
Mas o ponto central não é jurídico; é prático. Como pode um mandato sobreviver quando sua titular não pode exercê-lo? A parlamentar não comparece a sessões, não vota, não participa de comissões, não representa seu estado, não cumpre nenhuma das funções inerentes ao cargo. Está presa em outro país. Ainda assim, permanece deputada.
O resultado é um vácuo de representação. O eleitorado paulista fica sem voz plena na Câmara, enquanto a estrutura pública continua a remunerar e reconhecer alguém que, por determinação judicial, está impedida de atuar. É uma distorção que não encontra paralelo em democracias maduras e que remete ao precedente de Natan Donadon, em 2013 — outro caso em que a Câmara preservou um mandato que, na prática, já não existia.
O episódio revela algo maior: a dificuldade das instituições brasileiras em lidar com situações-limite, especialmente quando envolvem conflitos entre Poderes. A Constituição prevê mecanismos, mas a interpretação fragmentada desses mecanismos abre espaço para paradoxos como este — paradoxos que fragilizam a confiança pública e alimentam a sensação de que a política opera em um universo próprio, desconectado da realidade.
Independentemente do desfecho — que provavelmente voltará ao STF — o fato já está posto. O Brasil assiste a um mandato fantasma: presente no contracheque, ausente no plenário. Um símbolo incômodo de como a letra da lei, quando lida de forma divergente, pode produzir resultados que desafiam a lógica institucional e o senso comum.
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