Justiça tardia: julgamento internacional sobre a morte de 96 bebês em Cabo Frio mobiliza famílias após quase 30 anos
Quase três décadas após uma tragédia silenciosa que abalou Cabo Frio (RJ), o caso da morte de 96 recém-nascidos na UTI neonatal da Clínica Pediátrica da Região dos Lagos (Clipel) volta ao centro do debate público. O episódio, que passou anos sem respostas concretas, está sendo julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), reacendendo a luta de mães que nunca deixaram de buscar justiça.
Entre junho de 1996 e março de 1997, pelo menos 96 recém-nascidos morreram na UTI da Clipel, conveniada ao SUS e instalada dentro do Hospital Santa Izabel. A maioria dos bebês nasceu saudável, mas foi internada por complicações leves, como prematuridade ou falta de vagas em outras unidades. As mortes levantaram suspeitas de negligência médica, omissão de informações e falhas graves no atendimento.
Agora, sob o nome “Mães de Cabo Frio vs. Brasil”, o caso está sendo julgado pela Corte IDH. A primeira audiência pública ocorreu em Assunção, no Paraguai, e contou com depoimentos emocionados de familiares, advogados das vítimas, representantes do Estado brasileiro e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Durante a audiência, mães como Helena Gonçalves dos Santos relataram a dor de perder seus filhos e a ausência de apoio do Estado. Ela declarou:
“Queríamos estar amamentando e esse direito foi tirado da gente. (…) Não nos deixaram ser mães.”
Um laudo da Fiocruz concluiu que a alta taxa de mortalidade não podia ser explicada por fatores clínicos, mas sim por infecções hospitalares causadas por falhas graves de higiene e protocolos sanitários. Foram registrados casos de superlotação, uso inadequado de jalecos, falta de higienização e omissão de informações aos familiares.

O diretor da clínica e oito médicos foram indiciados entre 1998 e 1999. Em 2003, todos foram absolvidos por falta de nexo causal direto entre suas condutas e as mortes. A decisão foi mantida em 2005 e confirmada em 2007. A Clipel alegou que os fatos ocorreram em uma unidade já desativada e sob outra gestão.
Em 2025, o caso chegou à Corte Interamericana após denúncia da Comissão Interamericana. O Brasil é acusado de permitir o funcionamento da clínica sem fiscalização adequada, não investigar nem julgar o caso de forma eficaz e ignorar fatores como a vulnerabilidade das mães e a questão racial envolvida.
Durante a audiência, o Estado brasileiro pediu desculpas oficialmente às famílias e reconheceu falhas na fiscalização, além de manifestações discriminatórias por parte do Ministério da Saúde.
Helena Gonçalves dos Santos relatou que nunca pôde ver sua filha após o parto. A notícia da morte veio por uma enfermeira amiga da sogra, e a bebê foi entregue enrolada em um pano na capela do hospital. Ao descobrir que outras mães haviam passado por situações semelhantes, Helena fundou o movimento Mães de Cabo Frio.
Caso o Brasil seja condenado, a Corte poderá determinar o pagamento de indenizações, assistência psicológica às famílias, reabertura das investigações e adoção de medidas para prevenir novas mortes em UTIs neonatais.
Esse julgamento é considerado um marco por expor falhas estruturais no sistema de saúde e por dar voz a mães que lutaram por quase 30 anos por reconhecimento e justiça.
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